Desde os primeiros episódios de The Walking Dead, Lori Grimes foi uma das personagens mais odiadas da série. Nesse cenário caótico, ela emerge como uma das figuras mais polarizadoras da trama, constantemente criticada por suas atitudes, mas, ao olhar mais atento, seu percurso revela uma mulher que teve que fazer escolhas difíceis em um mundo onde nada fazia sentido. Acusada de traição, hipocrisia, negligência materna e manipulação, ela se tornou alvo de ódio que mesmo os personagens masculinos mais cruéis não receberam. Mas será que essa raiva era justificada? Ou será que Lori foi vítima de uma narrativa que a colocou em uma posição onde qualquer escolha que fizesse seria vista como errada?
Lori Grimes foi constantemente criticada por suas decisões, especialmente em relação aos homens de sua vida, seu comportamento como mãe e até mesmo a forma como lidou com o apocalipse zumbi. A verdade é que Lori não era uma vilã. Pelo contrário, ao olhar de perto, podemos perceber que Lori foi uma mulher tentando fazer o melhor em uma situação impossível. O que muitos consideraram falhas, em verdade, eram apenas tentativas humanas de navegar em um mundo em colapso, mas a forma como a série construiu sua história fez com que o público a visse de maneira distorcida.
1. O Caso Com Shane: A "Traição" Que Nunca Aconteceu.
Uma das maiores razões para o ódio contra Lori foi seu relacionamento com Shane. Muitos fãs a consideram infiel e aproveitadora, mas essa visão ignora um detalhe crucial: Lori acreditava que Rick estava morto, pois foi o que Shane a relatou. Para Lori, Shane era o único que poderia protegê-la e a Carl enquanto o mundo desmoronava ao seu redor. A forma como Lori foi tratada por essa decisão – muitas vezes vista como uma traição – revela um dos maiores erros da série: não reconhecer que ela agiu como qualquer ser humano faria diante da perda, do medo e da necessidade de segurança.
O problema surgiu quando Rick retornou. De repente, Lori estava diante de uma situação impossível: ela havia tentado seguir em frente com sua vida, apenas para descobrir que seu marido estava vivo. A série, em vez de explorar essa complexidade de forma empática, a retratou como alguém que simplesmente "largou Shane" e voltou para Rick, o que reforçou a antipatia do público.
2. A Relação Com Shane e a "Manipulação" Que Nunca Existiu.
Um momento frequentemente citado como prova de que Lori era manipuladora aconteceu quando Shane decidiu que iria embora. Inicialmente, ela não tentou impedi-lo, mas, pouco depois, pediu que ele ficasse. Para muitos fãs, isso foi um sinal de que ela queria manter Shane por perto apenas para seu próprio benefício, mas essa leitura ignora o contexto real da situação.
Poucos dias antes, Shane havia arriscado sua vida para salvar Carl, trazendo os suprimentos médicos que ele precisava para sobreviver. Diante dessa situação, Lori se mostrou grata pelo que ele havia feito por seu filho.
No entanto, a série não deu a Lori o benefício dessa nuance. Em vez disso, a cena foi construída de forma a reforçar a ideia de que ela estava "jogando" com os sentimentos de Shane, o que só contribuiu para sua vilanização.
3. O Julgamento Como Mãe.
Além de ser criticada por seus relacionamentos, Lori também foi mal interpretada como mãe. Sua proteção extrema em relação a Carl foi muitas vezes vista como excesso, enquanto em outros momentos, sua falta de controle sobre as decisões do filho foi considerada negligência. Mas se esqueceram de que o apocalipse zumbi não era um ambiente adequado para qualquer tipo de criação infantil tradicional.
Lori não poderia manter Carl sob vigilância constante – ninguém poderia. Em uma realidade onde o perigo era constante, criar um filho significava permitir que ele aprendesse a sobreviver, e foi exatamente isso que Lori tentou fazer.
Curiosamente, Rick também deixou Carl solto em diversas ocasiões, mas raramente recebeu o mesmo nível de crítica. Isso revela um padrão comum em narrativas da cultura pop: mães são cobradas muito mais do que pais quando se trata da criação dos filhos.
Ela foi tratada como uma "mãe falha" quando, na verdade, estava apenas lutando para manter seu filho vivo e saudável em um mundo sem leis, onde até a sobrevivência era um desafio constante.
4. A Hipocrisia de Rick e Shane.
Uma ironia frequentemente ignorada é que Shane, o homem que acusava Lori de ser manipuladora, era quem realmente manipulava a situação. Ele acreditava que tinha direito sobre Lori e Carl simplesmente porque os protegeu quando achava que Rick estava morto. Sua obsessão foi crescendo e passou a transitar para um território muito mais perigoso, até o ponto em que ele tentou matar Rick – algo que Lori previu e tentou avisar.
Enquanto isso, Rick também não estava livre de erros. Ele foi emocionalmente distante em vários momentos, e sua forma de liderança frequentemente colocava a segurança do grupo acima de suas relações pessoais. No entanto, o público estava mais inclinado a perdoá-lo, enquanto Lori recebia as piores críticas por cada uma de suas ações.
5. A Morte de Lori: A Redenção Que Nunca Veio.
Quando Lori morreu, foi de maneira trágica e brutal: sacrificou-se para que Judith pudesse nascer. Essa cena não é apenas uma morte; é um gesto de amor profundo e altruísmo. Sua despedida foi um dos momentos mais emocionantes da série, e sua morte teve um impacto profundo em Rick e Carl. No entanto, mesmo esse ato não foi suficiente para redimi-la aos olhos de muitos fãs.
Em vez de ser lembrada como uma mãe que deu sua vida pelo filho, sua morte foi tratada por alguns como um "alívio". A série também contribuiu para isso ao focar mais no luto de Rick do que na importância da própria Lori. Ela morreu de forma trágica, mas seu legado nunca recebeu o peso que merecia.
Lori Grimes foi uma personagem humana, complexa e falha – mas, ao contrário de outros personagens igualmente falhos, nunca teve o direito de errar sem ser demonizada por isso. Quando ela cometeu erros – como se envolver com Shane ou ser vista como negligente com Carl – a série nunca deu o espaço necessário para ela ser apenas humana. Ao invés disso, ela foi taxada como "má" e "egoísta", quando, na verdade, ela estava apenas tentando sobreviver como todos os outros.
A série poderia ter explorado sua história com mais empatia, destacando suas lutas e dilemas morais de maneira mais equilibrada. Mas, em vez disso, a narrativa optou por transformá-la na "vilã" de um triângulo amoroso e em um alvo fácil para o ódio do público.
No fim, Lori foi vítima não apenas do apocalipse zumbi, mas também de uma escrita que nunca lhe deu a chance de ser vista como uma pessoa real – apenas como um obstáculo na jornada de outros personagens. E essa é, talvez, sua maior injustiça.